Tudo que reluz é ouro, Fernanda Pequeno
[Galeria Athena Contemporânea, Rio de Janeiro, 2014]

Tal como Midas, personagem mítico grego que transformava em ouro
tudo que tocava, Vanderlei Lopes reúne trabalhos recentes que se
relacionam ao nobre metal por sua aparência dourada, polida ou
escovada, e pela autoria que transmuta objetos e acontecimentos
triviais em obras de arte. Se a assinatura tornou-se insubstituível,
sendo ela que atualmente “define uma ação ou objeto como artístico”1,
os trabalhos da exposição se fazem preciosos pelo acabamento e sedução
que o emprego de materiais tradicionais sugere e porque às obras de
arte atribui-se um valor que é monetário mas também simbólico.
Sem utilidade, as obras de arte são despesas improdutivas que
cumprem socialmente funções tais como: emulação, distinção social,
prestígio, erudição, valores convertidos em capital cultural. É deste modo
que “Tudo que reluz é ouro” fricciona as relações entre consumo, posse,
fruição e produção artísticas, evidenciando os tênues limites entre valor
de uso valor de culto e valor de exposição. As peças que compõem a
exposição salientam a capacidade da arte de iluminar pequenas coisas
para torná-las preciosas, apesar de cotidianas. Neste universo
demiúrgico, o artista transfigura-se em Midas, que transforma tudo o
que toca em valor. Mas esse caráter reluzente, ao invés de dádiva,
pode converter-se em maldição, já que todo brilho excessivo ofusca e mesmo cega.
Afinal, o fogo, apesar de fascinante porque misterioso e hipnótico, queima.
Na mostra, a polidez das peças cria espelhamentos do espaço
expositivo e das obras, transformando-as em imagens que fixam instantes.
As esculturas se relacionam com a história da arte sem
reproduzir a atemporalidade do monumento. Elas tensionam a sintaxe,
levando em consideração aspectos formais e conceituais, tais como:
autoria, tradição, valor, espaço, escala, material, volume, textura, peso,
duração. A aproximação entre a produção do artista e a linguagem
fotográfica se evidencia na luz que emana das peças e também na
relação que estas estabelecem com a captação de situações.
Os desenhos e esculturas atuam como flashes luminosos cujas texturas - granulações,
riscos, marcas - sugerem a película fotográfica.
Em sua produção artística, Vanderlei Lopes mescla dados culturais e
os quatro elementos naturais (fogo, terra, ar e água). Cria-se na galeria
uma espécie de intervalo no qual as temporalidades do espectador e
das obras se sobrepõem, evidenciando a noção de duração.
Na experiência estética, o tempo é outro, o da desaceleração. Ao lidar com
estados transitórios - a água escorrendo, a cadeira e o guarda-chuva
tombados, as setas em movimentos de orientação e desorientação,
a marca de um copo pingando -, o artista captura o clímax, ao mesmo
tempo em que empreende uma operação “sinestésica” na qual
relaciona toque e visão, espaço e tempo, chão e parede, água e fogo,
verticais e horizontais. É assim que suas obras favorecem a iluminação
profana, elogiada por Walter Benjamin.
Ao retirar a escultura de sua base ou pedestal, o artista a traz ao
chão, em um movimento de horizontalização que é gráfico e simbólico.
A água escoa e invade frestas, derrubando o que encontra pela frente.
O estado líquido do bronze, quando incandescente, aponta para o
processo de liquefação, desfazimento para construção da própria forma.
Já os desenhos, por sua coloração vermelha e sua montagem
verticalizada, se relacionam com o fogo e a lava do vulcão que buscam
o céu mas queimam, destroem e mesmo petrificam. Fusão, ebulição e
condensação, assim, são estados transitórios da matéria que
aproximam a operação artística daquela pré-científica, alquímica.
A transmutação de temas e materiais empreendida pelo artista o faz
alquimista cujas transposições vão desde Fra Angelico e Michelangelo
(para quem a escultura já estava contida no bloco de mármore,
cabendo a ele sua revelação), passando por Gian Lorenzo Bernini,
Marcel Duchamp e Piero Manzoni. Se o alquimista estudava as
transformações da matéria na busca pelo essencial, Vanderlei Lopes
extrai brilho de enxurradas, tombamentos, escorrimentos e labaredas
que, fascinantes, também anunciam desastres.
O artista empreende, assim, uma busca por acontecimentos poéticos
que se relacionam a espaços prosaicos, salientando os potenciais
estéticos de resíduos, quinas e chão. As obras da exposição favorecem
epifanias, suspendendo espaço e tempo. Como aparições, as peças,
tais como as revelações fotográficas e religiosas, afirmam que na arte
as coisas são o que parecem ser, não importando se ilusão ou
“realidade”. O emprego do dourado enfatiza, então, a capacidade da
arte de lançar luz sobre aspectos menos nobres, ou mesmo malditos da
existência. Afinal, na arte, tudo que reluz é ouro, mesmo que tenha sido
produzido com bronze.

1. MOULIN, Raymonde no debate transcrito em SIEGEL Katy e MATTICK, Paul. Arte e
dinheiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. P. 201.