Desvio

DESVIO, 2012/2021
Realidade virtual
Rio Tamanduateí, Beco do Pinto, Museu da Cidade de São Paulo
Computação gráfica, simulação e efeitos sonoros:
Lucas Assis — ILLUME.art
Filmagem drone: Aeropic Imagens
Tradução Tupi Guarani: Kwaray Oea

Desenhado para ser executado in loco, Desvio consiste no bombeamento de águas do Rio Tamanduateí para a escadaria do Beco do Pinto, na região central da cidade de São Paulo. Pensada para aquele intervalo histórico, entre o arcaico rio e o colonial beco, a obra se faz visível por meio de um sistema de contraengenharia que se estrutura por três momentos: 1. Um dreno disposto como um elemento geométrico, colocado no curso do rio para captar a água insalubre do veio canalizado. 2. Um sistema de encanamentos e bombas de sucção, invisível na superfície, instalado em galerias subterrâneas para transferir o líquido ao topo da colina histórica que deu nome à cidade. 3. O próprio afluxo das águas que escorrem pela escadaria do Beco do Pinto, oxigenam suas moléculas e, por esse processo de desinfecção aeróbica, adentram bueiros e voltam limpas ao rio.

Localizado no centro histórico de São Paulo, entre o Solar da Marquesa de Santos e a Casa da Imagem, o Beco do Pinto, cujo nome advém de seu antigo proprietário, Brigadeiro José Joaquim Pinto de Moraes Leme, abriga hoje instalações de arte, embora fosse usado durante o colonialismo como passagem para transportar alimentos e animais que chegavam ali de barco, via Rio Tamanduateí. Porém, quem se atenta hoje ao mapa pode não compreender a existência do rio que não se vê mais por ali e do antigo acesso a ele pelo logradouro em questão, hoje gradeado: a partir de 1930 o curso fluvial foi alterado sob o pretexto de resolver questões sanitárias decorrentes do adensamento e do progresso urbano. O rio que naquela várzea serpenteava, alternando sua largura entre cheias e estiagens, de modo a lavar os pés da escadaria do beco, foi então desviado pelas mãos da especulação imobiliária.

A fim de instaurar uma espécie de desencadeamento arqueológico, ao menos linguístico, social, geográfico, Desvio inunda essa fresta no centro da cidade, terreno tomado do rio e dos logradouros públicos e históricos, fazendo entrever com suas águas as ruínas e fantasmas do que um dia foi desenhado pelo Tamanduateí. Ao contrariar a gravidade e inundar o pavimento, escorrer nos patamares, degraus e jardim, a água de Desvio presentifica a ideia de catástrofe sazonal. Controla-se a quantidade de água e prepara-se o solo para recebê-la, principalmente para proteger a natureza de contaminação, realizando assim um gesto humano contrário ao que foi feito outrora. A experiência, agora em realidade virtual, entre o não executado e o realizado, expõe de todo modo o tratamento devastador que a ação da história impôs ao Tamanduateí e fez desaparecer rios, ribeirões e riachos que circundavam a cidade de São Paulo.